ÚLTIMAS
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Identidade política e representatividade capitalista

Mas daí a se ver "representado" nestas figuras, ou em Lloyd Austin, secretário de Defesa de Biden (um general afroamericano dedicado a bombardear o Yemen enquanto seus navios se escondem no Mar Vermelho) ou no também general negro – este de confiança da família Bush - o finado Colin Powell? Não dá também.

Coluna Estratégia & Análise para a esquerda brasileira Agosto 2024 _ Bruno Lima Rocha Um dos grandes debates da atualidade é o conceito de identidade política. Muitas vezes o sentido de pertencimento ultrapassa relações sociais concretas, onde o “autodescobrimento” é motivado pela produção cultural, estética coletiva e outras formas de “representar” a vida em sociedade. Ao contrário do que se imagina, nada disso é distinto da chamada “consciência de classe”, se entendermos classe como uma posição estrutural de domínio e móvel ao mesmo tempo, onde o trabalho livre e as exceções fundamentam e escondem a regra. A classe existe pela estrutura de domínio capitalista, mas só se realiza quando em conflito e preferencialmente de forma organizada. No mais, é tudo mentira, como o tal do “empreendedorismo por vocação”. É tábua de salvação, sair da informalidade ou se associar na forma de micro e pequena empresa. No capitalismo, é massacre econômico o tempo todo. De cada três pequenas empresas abertas, duas quebram antes dos primeiros cinco anos de vida. A exploração do trabalho é uma forma de acumulação e organiza o modo de vida, mas também incide a capacidade extrativa do Estado a serviço de camadas dominantes – “nacionais” e transnacionais. Ou seja, estes fatores são muito mais incidentes do que as “boas práticas”, a “vontade de vencer” e outras peças de propaganda de adesão ao sistema de distribuição desigual de recursos, direitos e poder. Logo, qualquer ideia de socialismo deveria estar atravessada do movimento contrário: ou seja, a plena distribuição de recursos, direitos individuais, difusos, sociais e coletivos e formas várias de participação no acesso aos processos decisórios e suas capacidades de execução. Se estas práticas não existem nas formas organizativas da esquerda, jamais existirão em termos de exercício de poder concreto. O vazio de projeto retroalimenta a influência ideológica do liberalismo como uma das bases do “progressismo”. Na ausência de uma utopia (lugar a ser construído) socialista no século XXI, na América Latina somos atravessados por supostos “atalhos”. Um destes é uma derivação liberal onde as identidades políticas e coletivas ao invés de organizarem um sujeito social existente ou mesmo latente, terminam por completar as formas mercadoria e entrar em parcelas do poder político burguês e colonial de forma acrítica. Cortando na carne Trago dois exemplos, cortando na própria carne para começar. Tenho origem árabe libanesa por parte de pai. Desde muito jovem engajei no apoio pela luta da libertação da Palestina e tento ajudar na organização da “arabidade” no Brasil e na América Latina. Ocorre que este manancial infindável de recursos humanos (16 milhões de descendentes no Brasil, 3.5 milhões na Argentina, mais de 700 mil no Chile, apenas para começar a citar) vive um conflito na América Latina. A ONU nos reconheceu como “árabes latino-americanos” mas isso não impede de estarmos entre o meio e o topo da pirâmide social e também etnicorracial dos países do Continente. Assim temos situações vergonhosas como Nayib Bukele, de família palestina, aliado de sionistas e tirano contra seu próprio povo. Ou seu clone, Daniel Noboa Azin (patrício e filho do maior exportador de bananas do país) que briga com sua vice Veronica Abad (também patrícia) enquanto ambos ajudam a vender o Equador para o capital transnacional e, ao mesmo tempo, ampliam a presença do Comando Sul e seus apoiadores do aparelho de segurança do Apartheid Sionista. Com a família Menem servindo a Milei e seus financiadores é a mesma situação na Argentina. Ou seja, na América Latina, se não nos posicionarmos pelos direitos da maioria, sequer conseguimos apoiar a nós mesmos na luta da última guerra colonial do planeta. Representatividade imperialista? Mas e os modelos de afirmação negra através do capitalismo e também do imperialismo? São temas tabu? Não deveriam ser. Possivelmente Kamala Harris será a primeira mulher e a primeira afroamericana a governar o Império. Um pioneirismo ainda maior que de Barack Hussein Obama, o presidente filho de um islamizado africano e maior responsável por bombardeios contra aldeias camponesas em países de maioria islâmica. Alguém pode ser cínico o suficiente para dizer que Trump e Harris ou Bush Jr e Obama são iguais para a população dos EUA? Evidente que não. Tampouco para a América Latina com a extrema direita espelhando um trumpismo tropical. Mas daí a se ver “representado” nestas figuras, ou em Lloyd Austin, secretário de Defesa de Biden (um general afroamericano dedicado a bombardear o Yemen enquanto seus navios se escondem no Mar Vermelho) ou no também general negro – este de confiança da família Bush – o finado Colin Powell? Não dá também. O debate precisa ser feito, com coragem sincera e sem tergiversar por desvios ou armadilhas de linguagem. Socialismo e luta antirracista Me recordo quando o debate de políticas de ação afirmativa chegaram ao país e o Rio de Janeiro estava no segundo governo Leonel Brizola (1991-1994). Havia uma secretaria específica – Secretário de Defesa e Promoção da Igualdade Racial – que além de ser comandada por Abdias do Nascimento ainda contava com notórios militantes negros da heróica geração dos anos 70, a que funda o MN moderno (e o MNU original). Por vezes a idéia correta de cotas chegava como “ação para minorias” e noutras se dava o problema ideológico mesmo. Em um debate público, um membro da pasta citada, reconhecido militante e produtor cultural afirmou categórico: “Hoje nos Estados Unidos temos um capitalismo negro bem desenvolvido, incluindo grandes latifundiários nos estados do sul que foram Confederados”. Da plateia jovens militantes negros e socialistas disseram de forma simples e categórica: “Mas companheiro, ter uma fração de classe dominante não liberta a maioria. E ninguém deve ter o direito de ser latifundiário”. A conversa se manteve sóbria e resultou numa salutar exposição de limites e diferenças conceituais irreconciliaveis. Hoje isso seria possível? É preciso estar atento e forte, coragem política para fazer o debate na interna e decisão coletiva para confrontar a reação, as oligarquias e as formas brasileiras e latinoamericanas de racismo estrutural. Todas e todos temos um papel nesta luta e

Existe projeto socialista nas esquerdas latinoamericanas? Qual? Quais?

Quanto ao apoio ao processo bolivariano, até aí tudo bem. O problema não é lutar contra a extrema direita, é ver uma formação institucional que dê conta de um processo de câmbio?

Coluna Estratégia & Análise para a esquerda brasileira agosto de 2024, Bruno Lima Rocha A eleição geral na Venezuela, no domingo 28 de julho, revela um problema de fundo, um tema teórico que na aplicação prática se transforma em desafio de caráter histórico. Me recordo que em janeiro de 2009, estava a convite em programa de debates ao vivo na potente rádio comunitária El Son del 23, na histórica comunidade de 23 de enero em Caracas e fiz duas perguntas meio que desconcertantes. A primeira foi: “e se em algum momento a direita voltar ao poder pela via da institucionalidade burguesa”? De pronto todos responderam. ISSO NÃO PODEMOS PERMITIR. E de fato não se pode permitir o retorno dos vendilhões do país ao poder central. A segunda pergunta foi: “E quando Chávez for embora, como será a sucessão?” Na época Nicolás Maduro Moros era mais um dos ministros, com alguma trajetória popular e boa presença como chanceler, mas longe de ter o reconhecimento da primeira geração do antigo MVR (Movimento 5a República, na época heroica da Maré Vermelha, Marea Roja). Bem, a resposta dos presentes foi meio evasiva. “É, isso temos que ver”. E logo na sequência, um certo adesismo a toda prova: “mas temos confiança na sabedoria do comandante em escolher seu sucessor?”. Parei o debate para não parecer desagradável e nos dedicamos com afinco a xingar os entreguistas, golpistas, vendidos, agentes da CIA, gusanos e lacraias. Estamos agora em 2024 e o Continente latino-americano viu suas oligarquias entreguistas serem transformadas em agitadoras de extrema direita, neofascistas e sem pudor algum. Ao contrário de momentos anteriores, agora estão diretamente conectadas a bilionários manipuladoras – como Elon Musk – e contam sempre com contatos profundos no “deep state” (perdão pela redundância) dos EUA. Ou seja, o fascismo deixa de ser um tema de livro e documentário e passa a ser o inimigo a ser derrotado nas ruas antes que nas urnas. O próprio Edmundo González o candidato fantoche da Plataforma Unitaria e manipulado pela agente de inteligência María Corina Machado, é egresso da Operação Centauro, a pata centro-americana da Operação Condor na década, na política de terra arrasada de Reagan e Bush Pai para El Salvador, Guatemala e Nicarágua. Enfim, que democracia é essa onde dois agentes externos concorrem à Presidência de um país soberano, não assinam o documento de respeito ao resultado e depois decretam fraude? Quanto ao apoio ao processo bolivariano, até aí tudo bem. O problema não é lutar contra a extrema direita, é ver uma formação institucional que dê conta de um processo de câmbio? Ou não tem transformação sociopolítica alguma na Venezuela e a meta é aguentar na soberania e manter um crescimento dentro do marco capitalista periférico? Se for tudo bem, mas como insisto em repetir e dizer de novo: não é um projeto socialista e não será. Chegou a ter uma chance de desenvolvimento quando Chávez em vida (e de novo caímos no debate da necessária presença de liderança carismática) promovia mesas político-técnicas, comunidades no comando da política (CAM na sigla em espanhol), havia centenas de emissoras de rádios comunitárias, um mosaico de cinco partidos políticos bolivarianos e à esquerda do PSUV e mesmo os coletivos como dispositivo de defesa popular. Com todo o contexto externo desfavorável, apesar da era das guarimbas (a violência da direita entre 2013 e 2019) nada justifica a repressão do governo Maduro contra o movimento sindical, indígena, camponês, ecológico (anti-mineração) e aos partidos de esquerda (mesmo os que não se alinham com a oposição oligárquica). Ou seja, são temas diferentes. É preciso defender uma posição antiimperialista, fazer a crítica por esquerda ao governo Maduro e jamais permitir o retorno de operadores da CIA para roubarem as riquezas venezuelanas. Considerando que são informações públicas, porque tanta celeuma em relação às eleições venezuelanas no país. Uma hipótese é a seguinte: o consenso hegemônico no progressismo brasileiro (e na maior parte da América Latina) é um conjunto de políticas econômicas de desenvolvimento (com inspiração social-democrata) e como sistema político, a democracia liberal. Uma parcela das posições que nos seus países “defendem o bom funcionamento das instituições”, ardorosamente admitem que o jogo institucional é tático e o que vale é o exercício do poder, trocando alguma utopia socialista por soberania nacional e capacidade de autodeterminação. Diante de tudo isso, este artigo encerra, tomando como pano de fundo o debate quanto às eleições na Venezuela. QUAL É, QUAIS SÃO, O OU OS PROJETOS SOCIALISTAS REALMENTE EXISTENTES PARA A AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XXI? O debate vai seguir nos próximos textos. Bruno Lima Rocha (blimarocha@gmail.com / www.estrategiaeanalise.com.be) é jornalista, cientista político e professor de relações internacionais; é membro do ICCEP / O Coletivo e participa da lutab pela democracia na comunicação social. APOIE ESTA COLUNA E OS PRODUTOS JORNALÍSTICOS DO ICCEP (https://www.youtube.com/@OColetivo) – PIX sindaspi@gmail.com