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Márcio Cabral (*)
As escolas devem mesmo voltar ao modo presencial no primeiro trimestre de 2021? Para respondermos essa inquietação é preciso uma breve digressão no cenário pandêmico brasileiro:
Um ano após a confirmação dos primeiros casos de Sars-coV-2 no Brasil, o país se vê em meio a maior calamidade pública da sua história. Nos últimos meses os números de pacientes positivados não somente se multiplicaram como as mortes também passaram a ser uma dura realidade na vida dos nossos familiares e amigos próximos. No outro extremo da arena pública estão os setores econômicos que viram o nosso produto interno bruto (PIB) recuar 4,1%, a maior queda desde o início da série histórica em 1996 (IBGE). Segundo a Fundação Getúlio Vargas, a economia brasileira está em recessão desde o primeiro trimestre de 2020.
Estes são dois cenários desesperadores porque envolvem a sobrevivência humana – a preservação de vidas e a saúde econômica de um país que já sofre historicamente com profundas desigualdades sociais. Neste cabo de guerra entre saúde e economia, durante o ano passado o Brasil escolheu priorizar a retomada da atividade econômica e o caminho mais fácil da imunização de rebanho para conter o vírus. Ou seja, flexibilizou as medidas sanitárias para que mais pessoas retornassem ao trabalho e, sem investimento em vacinas e em medidas de isolamento social, o vírus passou a circular sem barreiras pelo país. Foi uma escolha e não uma imposição. E pelo comportamento médio das pessoas em todo o país, que resistem as novas medidas de distanciamento, a maioria preferiu este caminho que nos trouxe até aqui.
O resultado disso tudo foi que, ao final do terceiro trimestre de 2020, já havíamos recuperado 89% da perda do PIB provocada pela pandemia. Ponto para os defensores da saúde econômica! Mas do outro lado da mesa vimos o coronavírus em descontrole por todo o país, o que mina assim a continuidade dessa retomada e agora, com este cenário de avanço do vírus, vivemos sob a ameaça real de uma nova parada, mais abrupta e longa que as anteriores, tamanha a gravidade da situação.
Dito isso e antes de entrar no argumento sobre o que este artigo provoca, quero também fazer um breve parênteses para me apresentar – fundamento este artigo na minha vivência como professor da rede pública de ensino fundamental, como pesquisador da educação e provocado pela experiência que adquiri durante as eleições de 2020 em diálogo diário com o tema de enfrentamento da pandemia não somente na educação mas também em contato com dezenas de cientistas que estão na linha de frente dos estudos sobre a Sars-coV-2. Desde então, diariamente recebo informações sobre a pandemia e o alerta de agravamento da situação frente as medidas equivocadas tomadas pelos governos para tentar estancar a crise.
Quem acompanhou minhas postagens anteriores sabe que defendi a reabertura prioritária das escolas para a população de zero a dez anos de idade, desde que seguida do cumprimento de todos os protocolos sanitários necessários para tal decisão. Esta ideia era fundamentada em estudos diversos sobre o comportamento do vírus na população infantil e por ser sabedor dos problemas sociais derivados de um longo período de fechamento de creches e escolas, em especial para a população mais carente.
Feita a apresentação, retomo dizendo que as notícias mais recentes sobre o avanço da pandemia nos impõem uma parada para ouvir os cientistas. Já existem algumas dezenas de estudos sobre as novas variantes do vírus, em especial a variante do Reino Unido e a variante Sul-Africana. O que nos leva a crer que há uma evolução contínua do Sars-coV-2 e que esta requer monitoramento contínuo para entendermos o significado destas mudanças, em especial como elas afetam nossas vacinas.
Dias atrás, um estudo muito importante publicado na Science sobre como a variante B.1.1.7 se estabeleceu no Reino Unido e quais as implicações deste para a pandemia. Esta variante, competindo com as demais, conseguiu tomar a dianteira no número de infecções. Os pesquisadores estimam que ela é de 43% a 90% mais transmissível do que a original. Isso implica em maior necessidade de redução de contato para controlá-la. A partir deste estudo da Science é possível trabalharmos com algumas hipóteses sobre a situação brasileira. Repito: hipóteses, pois a variante de Manaus, embora tenha semelhanças com outras que circulam em outras regiões, ainda está em estudo.
A primeira hipótese fala que há uma maior concentração viral em infectados o que tornaria o contágio mais fácil em alguém susceptível. Este achado foi também encontrado, com concentrações dez vezes superiores, na variante P1 que é a nossa conhecida variante de Manaus.
A segunda hipótese fala em um período maior de transmissão viral, o que pode fazer com que a pessoa, em contato com mais pessoas em um período mais longo, infecte muito mais.
A terceira hipótese não é menos dramática e chama a atenção para um potencial escape imune – quem já foi infectado por outra variante e desenvolveu anticorpos pode ter um risco MAIOR de se infectar com essa variante. Ainda assim é importante notar que as vacinas disponíveis oferecem proteção contra esta variante. As vacinas em uso no Brasil foram testadas aqui e tiveram a coleta de eventos num momento em que variantes importantes estavam circulando por aqui também. Ou seja, informações que circulam nas redes sociais questionando a capacidade de proteção das nossas vacinas não estão corretas.
Uma outra hipótese leva a crer que há um tempo de geração mais curto (leia-se: o vírus produz cópias viáveis de si mesmo mais rápido) o que permitiria um aumento mais rápido de carga viral.
E por fim, a hipótese que quero me prender neste artigo de opinião: a variante que se espalhou no Reino Unido foi em novembro, quando escolas estavam abertas. Isso pode apontar para uma possível maior infecção de crianças, que não pareciam ser tão suscetíveis à versão original.
Quem conhece bem a rotina da educação infantil e dos anos iniciais sabe que as crianças são potenciais vetores virais e de parasitas. É comum a cada ano vermos nas escolas surtos de piolho, sarna, conjuntivite viral, catapora, gripe, dentre outras. Um relato da pediatria no ano de 2020 viu que o fechamento de escolas foi seguido de uma queda acentuada nas internações infantis por infecções respiratórias. Isto porque, tais moléstias não circularam entre os infantes o que leva a crer que as escolas são sim um vetor de transmissão.
Em que situação uma escola poderá funcionar sob um quadro de pandemia? Isto a literatura científica já explicitou em diversos estudos. Mas o principal fator é quando a curva de transmissão viral for baixa no território escolar. Pelo que estamos vendo este não é o cenário atual. Sem vacinação, apenas um controle restritivo de mobilidade conseguiria manter os números baixos, com risco de ressurgência da pandemia no segundo semestre. Com vacinação lenta, as coisas melhoram, mas ainda há risco de colapso do sistema de saúde e de número elevado de mortes. Com vacinação rápida, e medidas restritivas, o Reino Unido, por exemplo, pode ser capaz de combater de forma eficaz essa nova variante. Ou seja: a saída é distanciamento social e vacinas. A mesma fórmula vale para cá e para a variante P1.
Por tanto, mesmo sabendo de todos os problemas derivados do fechamento de escolas, em especial para as infâncias e para as mães, não há a menor segurança para a abertura de escolas neste momento no Brasil. Mas o que fazer quanto a tudo isso? Precisamos pressionar pelas vacinas, garantir auxílio e proteção para a população mais vulnerável e trabalhar num modelo de isolamento social sério. É preciso chamar a atenção da população para que todos saibam que as medidas tomadas até aqui não funcionaram, que o quadro se agravou e que, mais que paciência, é preciso se proteger ainda mais. Neste caso, sobre a abertura das escolas, em especial na educação infantil e nos anos iniciais do fundamental, é preciso darmos dois passos atrás, com paciência, parcimônia e sabedoria.

  • pedagogo formado pela UFRGS com especialização em alfabetização, professor da RMPA, mestre em Geografia pela UFRGS pesquisador em desigualdades territoriais. Ex-secretário municipal no governo Jairo Jorge (2010) e Ex-secretário estadual no Governo Tarso Genro (2014).
    https://science.sciencemag.org/…/03/03/science.abg3055
    https://www.researchsquare.com/article/rs-275494/v1